terça-feira, 22 de maio de 2012

A divina relação do inferno [resenha]

I - Introdução

Uma caudalosa enxurrada de testemunhos de pessoas que supostamente estiveram no céu ou no inferno tem proliferado no meio dos cristãos evangélicos. São relatos surpreendentes, porém extremamente sensacionalistas e repletos de aberrações teológicas. Revelam ser, na verdade, produto de uma mente brilhante, capaz de produzir filmes como Guerra nas Estrelas, E.T. e tantos outros, arrancando até mesmo aplausos do gênio da ficção científica hollywoodiana, Steven Spielberg.

A Divina Revelação do Inferno foi publicada originalmente em inglês com o título: A Divine Revelation of Hell, em 1993, nos Estados Unidos. A autora, Mary Baxter, é ministra da Igreja Nacional de Deus, em Washington, EUA. Nasceu em Chattanooga, Tennessee, EUA. Segundo relata, começou a ter "visões" de Deus na década de 60, em Michigan; mas foi em 1976, que Jesus teria aparecido para ela, na forma humana, em sonhos, visões e revelações, durante quarenta noites, e mandou-a transmitir as profundezas, degradações e tormentos das almas perdidas no inferno (pp. 183, 184).
II - Recomendações
Entre as pessoas citadas, que indicam o referido livro, encontra-se a Sra. Marilyn Hickey, que num de seus livros ensina ter Noé, sob o efeito da embriaguez, praticado atos homossexuais com seu neto Canaã, além de dizer que o homem possui a natureza de Deus, tornando-se participante de “todos os seus atributos” [i] . Percebe-se, pois, que a insensatez acompanha não apenas a obra indicada, mas também quem a indicou.
Outro nome de peso é o de David (Paul) Yonggi Cho, que declarou [ii]: "Eu li este livro, tremendo no meu coração. Eu realmente creio que Rev. Baxter teve um verdadeiro encontro com a realidade do inferno na sua experiência da revelação de Jesus Cristo nosso Senhor" (quarta capa). Apesar de ser notável no meio evangélico, o Sr. Cho pode cometer erros (ele não é infalível!); aliás, não seria a primeira vez que ele ensina algo inconsistente (teologicamente falando). Em uma de suas obras, Cho diz que pediu a Deus três coisas: uma escrivaninha, uma cadeira e uma bicicleta; contudo, Deus disse que não poderia atendê-lo pela seguinte razão: Cho não especificou o que queria. Deus lhe teria dito: "Será que você não sabe que há dezenas de tipos de escrivaninhas, cadeiras e bicicletas? Mas você simplesmente pediu-me uma escrivaninha, uma cadeira e uma bicicleta. Não pediu uma escrivaninha específica, nem uma cadeira nem uma bicicleta específicas". [iii] Sem perceber, o Sr. Cho atentou contra a onisciência de Deus que, segundo o próprio Jesus, sabe de tudo que necessitamos, antes mesmo de pedir (Mateus 6:25-32).
Assim, devemos analisar as declarações da sra. Baxter à luz da Bíblia, e não nos fiarmos em declarações de pessoas que, assim como nós, estão propensas a análises errôneas, não importa quão afamada seja tal pessoa no círculo cristão (Atos 17:10, 11).
III - Contradições
O caráter contraditório de algumas declarações desqualificam a "revelação" da sra. Baxter. Por exemplo: na p. 16 encontramos a suposta declaração de Jesus para ela: “Minha filha, levarei você até o inferno (...). Quero que escreva um livro e conte todas as coisas que vou revelar a você” (grifo acrescentado). Desobedecendo à ordem de Jesus, porém, ela comenta na p. 20: “Algumas coisas, por serem horríveis demais, não consegui passar para o papel” (grifo acrescentado). Ora, por mais que a mensagem a ser transmitida fosse dura, os profetas de Deus declaravam o que ele ordenava, independentemente do que sentiam a esse respeito; tal foi o caso de Jonas, Jeremias, Oséias e outros. A Sra. Baxter revela não possuir características próprias de um profeta de Deus. Para terminar o festival de contradições, diz: "Como obreira de Deus, submeti-me ao comando de Nosso Senhor Jesus Cristo e registrei fervorosamente as coisas que me foram mostradas e reveladas por Ele" (p. 181) — grifo acrescentado.
IV - O Inferno
A Sra. Baxter relata sua "visita" ao inferno nos seguintes termos: "Jesus veio a mim em 1976 (...). Jesus levou-me ao inferno por um período de 40 dias [iv] . (...) No mesmo momento, minha alma foi retirada do meu corpo. Saí com Jesus do meu quarto em direção ao céu. (...) Meu corpo permanecia na cama, enquanto o meu espírito ia com Jesus através do telhado da casa. (...) Depois, começamos a subir cada vez mais e eu já podia ver a Terra embaixo. Saindo dela, de vários pontos, haviam tubos girando em direção a um ponto central, indo e vindo. Eles se moviam como gigantes, continuamente e envolviam a Terra toda. (...) "São os portões do inferno" (pp. 11, 16-18).
A imaginação da sra. Baxter é fertilíssima. Ela retrata o inferno como se fora um corpo humano. O livro tem alguns capítulos interessantes, como, por exemplo: A perna esquerda do inferno (02), A perna direita do inferno (03), O ventre do inferno (07), O coração do inferno (10), O braço direito do inferno (13), O braço esquerdo do inferno (14), As mandíbulas do inferno (19) etc. Relata a Sra. Baxter (aparentemente citando as palavras de Jesus): "O inferno tem a forma de um corpo (semelhante à forma humana) deitado no centro da Terra. Ele tem a forma de um corpo humano - grande e com muitos compartimentos cheios de tormentos (...). O corpo está deitado de costas, com os braços e as pernas estendidas para fora" (pp. 31, 32, 52, 53). Nada há na Escrituras (nem mesmo na literatura apócrifa) que apóie essa versão da Sra. Baxter.
V - Curiosidades Infernais
O inferno da sra. Baxter é 'sui generis'. Nada há igual. Numa realidade totalmente espiritual, a sra. Baxter usa e abusa de seu profuso talento artístico. Veja o que ela "viu" no inferno:
· Ratos e serpentes (p. 53). Como foram parar ali?
· Uma alma — com coração e sangue — dentro de um caixão (p. 57). De que era feito esse caixão, só a sra. Baxter sabe.
· Uma mulher presa numa cela, cujas paredes eram de "barro" e a porta de "um metal escuro com barras e uma fechadura", e sentada numa "cadeira de balanço, balançando e chorando copiosamente" (p. 70). Pelo que parece, o inferno anda contratando pedreiro, ferreiro e carpinteiro.
· Há uma cena curiosa: Satanás está despachando com um grupo de mulheres, instruindo-as para enganar a muitas pessoas. De repente, "uma estante alta foi trazida para perto de Satanás e lá havia muitos papéis. Ele pegou alguns e começou a ler para as mulheres" (p. 63). De que eram feitos aqueles papéis que não queimavam nas profundezas ardentes do inferno da Sra. Baxter?
VI - Aberrações doutrinárias
Doutrinariamente, Baxter se revela herege ao ensinar um conceito errôneo sobre a Trindade. Ela afirma ouvir de Deus, o Pai, o seguinte: "O Pai, o Filho e o Espírito Santo são uma única pessoa" (p. 158) - grifo acrescentado. Essa heresia, que não faz distinção entre as "pessoas" da Trindade, chama-se patripassionismo (ou modalismo, também conhecida como sabelianismo). Para os patripassianos, foi o próprio Pai que assumiu a natureza humana, sofreu, morreu e ressuscitou. Diziam que a expressão "Filho" refere-se à carne de Jesus (= natureza humana), e que "Pai" é o elemento divino unido à carne (= Deus) [v] . Hoje, muitas seitas ensinam tal heresia, como por exemplo o Tabernáculo da Fé, Igreja Pentecostal Unida do Brasil, Igreja Voz da Verdade, Testemunhas de Ierrochua etc.
No inferno da sra. Baxter, Satanás jamais sofre; ao contrário, ele conta com um "Centro de Divertimento" (p. 80), onde ele e seus demônios deleitam-se com a desgraça alheia (p. 82). O apóstolo João, porém, diz que Satanás, ao invés de ter um "centro de divertimento", será atormentado pelos séculos dos séculos (Apocalipse 20:10).
VII - Torturada no Inferno
Ao visitar o "coração" do inferno (capítulo 10), juntamente com Jesus, ele a abandonou, entregando-a aos demônios. [...]Ela conta que sofreu tormentos, foi aprisionada, ajoelhou-se diante de Satã. Diz Baxter: "espíritos na forma de morcegos me mordiam por toda parte" (p. 90). Ao indagar de Jesus a razão desse incidente, a resposta foi: "Minha filha, o inferno é real. Mas você jamais poderia ter certeza até que experimentasse por si mesma. Agora você sabe da verdade e o que é estar perdido para sempre lá. Você poderá relatar para os outros a sua experiência, sem sentir nenhuma dúvida" (p. 92). O "Jesus" que conduziu a sra. Baxter ao inferno não era o Jesus da Bíblia (II Coríntios 11: 4). O que a sra. Baxter conheceu não se deu por satisfeito e, após essa experiência traumática, enviou-a mais uma vez para os tormentos infernais, desta vez às mandíbulas do inferno (capítulo 20). Depois de entrar em colapso, ela declarou que queria "estar bem longe – longe de Jesus, da minha família e de qualquer pessoa" (p. 92). Certamente que o Jesus dos Evangelhos não submeteria nenhum de seus "irmãos" a horrendas atrocidades, como se ele fosse um carrasco nazista.
VIII - Sábios conselhos
Não há muito que aproveitar d' A divina revelação do inferno. A sra. Baxter deveria levar a sério o que seu "Jesus" lhe disse: "Mantenham-se afastados dos falsos profetas que falam em Meu nome e espalham doutrinas falsas. Despertem! Despertem!" (p. 114). Para concluir, o "Jesus" da sra. Baxter revelou medíocre conhecimento sobre o inferno, mas, em contrapartida, estava certo quando disse: "Minha filha, algumas pessoas ao lerem o livro que você vai escrever, acharão que tudo isso é uma obra de ficção" (p. 129). Dito e feito!


[i] HICKEY, Marilyn. Quebre a cadeia da maldição hereditária. Rio de Janeiro: ADHONEP, 1988, pp. 30-32, 98.
[ii] O comentário de Mary Schultze (pesquisadora de religiões, membro do Centro de Pesquisas Religiosas, RJ, e da International Academy of Letters of England) é oportuno: "A tradução é de péssima qualidade, com erros de concordância e outros, que tirariam o prazer da leitura, se o livro fosse de leitura agradável". Ao citarmos o livro, mantivemos o conteúdo original, mesmo com erros de Português.
[iii] CHO, Paul Yonggi. A quarta dimensão. 17ª impressão. Miami: Vida, 1989, pp. 17-20.
[iv] É curioso o fato de que em alguns relatos de visitas ao mundo espiritual, o número de dias seja sempre 40. No livro Paraíso - a cidade santa e a glória do trono, de Elwood Scott (São Paulo: Palavra da Fé Produções, 1992), ele relata que a experiência de um homem que morreu (Sêneca Sodi) e de como Deus o ressuscitou após a estada de quarenta dias no Céu; tendo visitado, por incrível que pareça, o local onde fora sepultado o corpo de Moisés. Esses relatos fantasiosos são repletos de revelações extra-bíblicas. Os sensatos espanhóis diriam: "tonterias!"
[v] FRANGIOTTI, Roque. História das heresias (séculos I-VII). São Paulo: Paulus, 1995, pp. 45-51 e BARDY, D.G. & TRICOT, D.A. Chistus - Enciclopedia popular de la doctrina cristológica. Madrid: Afrodisio Aguado S.A., 1951.

Um comentário:

  1. Sem comentários, é uma verdadeira historinha da carochinha o que foi escrito pela sra Baxter. Deus tenha misericórdia dela, bem como do Paul Yonggi Cho, que também disse um besteirol, negando a oniciência de Deus.
    www.compositorpaulopasini.mus.br

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