sexta-feira, 11 de novembro de 2011

O arcabouço teólogico dos praticante​s de Batalha Espiritual




Uma  análise acerca de alguns dos principais equívocos dos teólogos do chamado  movimento de batalha espiritual à luz do livro de Jó.

O movimento recente de 'batalha espiritual' tem  conceitos controvertidos e aqui analisaremos alguns deles a partir das  escrituras, especialmente no Livro de Jó, buscando responder, ainda que de forma  sucinta, questões inquietantes da alma humana, tais como: Por que o justo sofre?  Por que Deus permite tal sofrimento? E por que devemos crer em Deus mesmo sem  haver qualquer benefício visível?


Augustus Nicodemus Lopes define o arcabouço  teológico dos praticantes de Batalha Espiritual como ekbalístico, termo derivado  do verbo grego que significa expulsar, atacar, expelir.


Aqueles que se identificam com esse movimento,  tais como Peter Wagner, Neuza Itioka, Valnice Milhomens, dentre outros, eles não  se definem desta maneira, mas pode-se notar que partem da premissa de que o mal  e a adversidade tem origem no diabo, o qual encontra “brechas” na vida do ser  humano abertas pelo pecado.


Neste meio entende-se 'pecado' como toda ação ou  omissão contrária a Palavra de Deus, mas não é levado em consideração a  pluralidade hermenêutica dos textos bíblicos, portanto na prática, “pecado” passa ser tudo aquilo que o líder, geralmente alguém denominado ‘Apóstolo’, considera, entende e interpreta como sendo contrário a Palavra de Deus, sendo  então essa ação ou omissão a responsável pela “brecha” aberta para atuação  demoníaca e o consequente sofrimento humano.


Naturalmente, tal movimento tem aqui um sério  problema doutrinário-conceitual, pois é fácil demonstrar pelas escrituras que em  última instância Deus é o responsável pelo sofrimento humano.


Porém, antes que alguns leitores queiram me  atirar pedras por tal “blasfêmia”, quero convida-los a um breve estudo do livro  de Jó.


À primeira vista, o Livro de Jó parece apenas  relatar a história de um homem reto que suporta sofrimento intenso. Mas, na  verdade o ponto central  é a sabedoria e soberania de Deus.


Jó identificou Deus como Aquele responsável  por todo o seu sofrimento. Em momento algum Jó culpa Satanás, nem sequer tenta  expulsar, atacar ou expelir aquele que havia lhe desferido duros golpes (Jó  2:10).


O Livro de Jó responde a uma questão  inquietante quando apresenta a realidade de que os justos e íntegros também  sofrem, sendo que a Soberania de Deus contrasta com as respostas fáceis,  superficiais e nada consoladoras dos amigos de Jó (Jó 42:7-8).


A teologia do recente movimento de 'batalha  espiritual' (especialmente no Brasil) é a teologia dos amigos de Jó, posto que se  baseaiam na lógica de causa-efeito e entendem que o sofrimento humano é sempre  produto do pecado. E este ganha espaço no vida do crente pela ação de demônios,  que senão podem possuir o crente, podem demoniza-lo ou oprimi-lo para que se  mantenha em pecado; E foi partindo dessa premissa que tais ministérios de  libertação desenvolveram “técnicas de libertação” fundamentadas num legalismo  cheio de regrinhas de conduta pseudo-santificadoras do tipo “não toque”, “não  veja”, “não faça” “não coma” etc...


Sem dúvida, a santidade é um tema importante  para a fé cristã e que não deve ser negligenciado pelo Cristão, posto que sem  ela ninguém verá a Deus (Hb. 12:14). Contudo, a santidade não pode ser tratada  sob o ponto de vista utilitarista, tal como se santidade fosse um mecanismo para  evitar o sofrimento mantendo satanás afastado de nossas vidas.


[...]É claro que devemos ser santos, porque Ele é  Santo! Mas devemos ser santos tão somente em sinal de gratidão Àquele que pela  Graça, e sem nenhum motivo nos redimiu, anulando a sentença condenatória que já  estava transitada em julgado contra nós.


É por essa razão também que devemos crer nEle,  mesmo que não haja nenhum motivo visível, uma vez que de Deus somos filhos, e não  animais amestrados, os quais somente obedecem ao dono mediante paga ou promessa de  recompensa.


[...]Santidade tem que ser vivida com o propósito  de adorar a Deus, não para manter satanás afastado, evitando assim sofrimentos.


Aquele que vive a santidade com propósito de  adorar a Deus está colocando seus olhos em Deus, e sua motivação está tão somente  no Senhor, ao contrário daquele que se santifica por causa do diabo, buscando se “santificar” para ficar cada vez mais “poderoso” espiritualmente para derrotar o  diabo em batalhas e escaramuças.


Outro conceito controvertido do recente  movimento  de Batalha Espiritual é sua  cosmovisão  dualista/maniqueísta.


Segundo a "Apóstola" Neuza Itioka, e também nos livros de  Rebecca Brown e Eduardo Mastral, a presença, e força do diabo no mundo é  retratada de tal modo que os cristãos se tornam psicológicamente reféns das  forças diabólicas, vendo-se compelidos a praticarem rituais diários, tal como “se revestir da armadura de Deus”, a fim de se proteger dos “ataques  espirituais”; [...]Nota-se que tal prática não é muito diferente dos pagãos  esotéricos que penduram no pescoço pedras energizadas, tomam banho de ervas e/ou  confeccionam patuás para se protegerem do mal.




A armadura descrita por Paulo em Efésios não é  uma vestimenta-mística-espiritual, mas sim uma série de valores que o Cristão  deve internalizar moldando seu caráter. Verdade, justiça, fé, dentre outros  valores foram usados por Paulo alegóricamente a uma armadura romana, afim de  transmitir a mensagem de que o cristão deve viver por estes valores e que são  eles que preservam o cristão no dia mau.


Além disso, Deus e o diabo não estão em  guerra, posto que Jesus já despojou todos os principados e potestades e com Ele  triunfamos na cruz (Cl 2:14,15). O diabo está subordinado a Deus e sua atuação  está limitada pela vontade soberana de Deus, como em Jó cap. 1.  
Portanto, em  última instância, Deus é o responsável pelo sofrimento, sendo o diabo mero  executor da vontade de Deus. Em Isaías 45:7, Deus diz: "Eu formo a luz e crio as  trevas; faço a paz e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas."


Mas antes que agora tentem colocar Deus no  banco dos réus, primeiro respondam as questões que Ele mesmo propós para Jó (Jó  38:1 - 40:2; Jó 40:6 – 41:34). Assim perceberão que a sabedoria e soberania do  Senhor, ainda que nos sobrevenham tempos difíceis e dias maus, ela silencia o  homem e faz que ele coloque a mão na boca (Jó 40:4).


Não se pode negar a atuação de satanás, mas Jó  discerniu a verdadeira causa de seu sofrimento e não perdeu tempo buscando  identificar o pecado que abriu a “brecha” em sua vida para satanás, tal como  seus amigos persistentemente propunham.

No livro de Jó há sabedoria e soberania  absolutas de Deus, inclusive diante do sofrimento humano causado por Ele, elas  desconstruiram completamente os discursos pseudo-espirituais de Elifaz, Bildade  e Zofar (Jó 42:7-8), os quais infelizmente ainda hoje são reproduzidos sob  pretexto de revelação e libertação espiritual.






por Mariel  M. Marra é teólogo, membro da Igreja Presbiteriana do Brasil

Shalom Adonai

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